Reunião extraordinária da Assembleia Municipal discute Livro Verde. CDU, BE e PSD/CDS-PP apresentam moções, mas apenas é aprovada a da coligação de direita. PS foi o único partido sem moção. Apesar de muito público presente, ninguém questionou a nova reorganização de freguesias que a cidade vai ser obrigada a fazer
No final da semana passada, a Assembleia Municipal encheu-se de gaienses. Desta vez, os temas em debate foram os princípios orientadores do Documento Verde da Reforma da Administração Local.
De um lado, o PS, o Bloco e a CDU, mostrando o desagrado quanto ao Livro Verde. Do outro, PSD e CDS mostraram que este é um bom plano para Portugal. E, com excepção dos socialistas que se limitaram a contrariar ou apoiar, foram apresentadas moções. Ao todo quatro documentos à discussão do BE, dois da CDU e uma outra conjunta do PSD e CDS.
O BE apresentou moção que visa a constituição de uma “comissão eventual para a dinamização do debate sobre a reforma do mapa autárquico, com o objectivo de, em colaboração com os órgãos autárquicos das freguesias, dinamizar em Gaia um debate público descentralizado sobre eventuais alterações a introduzir no mapa das freguesias gaienses. Esta Comissão deverá integrar pelo menos um representante de cada grupo político representado na Assembleia Municipal e deverá concluir os seus trabalhos no prazo máximo de 60 dias”. Esta proposta surge para tentar melhorar o “caminho apontado pelo Governo no “Documento Verde da Reforma da Administração Local” já que, na opinião dos bloquistas, este documento “não serve”. E explicam: “desde logo porque procura tratar este problema exclusivamente com base em critérios tecnocráticos, de tipo matemático, incapazes de abranger toda a complexidade do que é a relação das populações com o território e todo o conjunto de especificidades locais que em cada caso importará ter presente. Além do mais, importa preservar o carácter de proximidade às populações que caracteriza as freguesias e que as distingue de qualquer outro tipo de unidade administrativa”.
A moção foi reprovada por maioria, contando apenas com a aprovação dos dois elementos do bloco e as abstenções de 14 socialistas e do presidente da junta de Gulpilhares, Alcino Lopes.
A CDU apresentou duas. A primeira de solidariedade com as decisões aprovadas e tornadas públicas no XIII Congresso da Associação Nacional das Freguesias. Durante este encontro, a ANAFRE deliberou e mostrou uma postura contra o Livro Verde. Os delegados no congresso concluíram que “A ANAFRE e as freguesias rejeitam, claramente, a Reforma da Administração Local proposta no Documento Verde; entendem que o “Documento Verde” não preconiza um modelo adequado à realidade social portuguesa nem garante ganhos de eficácia e eficiência para o Poder Local, nem respeita a vontade das populações; entendem que o modelo de Reforma do Poder Local deve obedecer ao princípio democrático da consulta popular e auscultar as populações; querem ver clarificada a partilha das competências próprias e reforçado o seu elenco, através da conversão das competências delegadas em próprias das freguesias; e subscrevem o modelo eleitoral actual, quanto à constituição dos Órgãos das Freguesias, é adequado, necessitando, apenas, de alguns ajustes na constituição do Órgão Executivo”. Esta foi uma acção rejeitada pela maioria.
A outra moção dos comunistas, também rejeitada por maioria, foi no sentido da Assembleia Municipal vetar o Livro Verde. “Para a CDU, o Documento Verde, pelos seus critérios e princípios orientadores, pelas suas incongruências, pelo seu espírito anti-democrático, pela gravidade das suas consequências se levado à prática, deve ser rejeitado”. E explicam com vários motivos, sendo um deles a organização do território. Para a CDU, esperada extinção de freguesias e de municípios, através de fusões “não dá resposta a qualquer necessidade objectiva e por si não vai gerar os ganhos de escala referenciados. As poupanças expectáveis nunca foram solidamente fundamentadas, e alguns números miríficos entretanto adiantados, nomeadamente pelo presidente da câmara de Gaia, não têm sustentação credível, para além de esconderem o acréscimo de despesas que as novas entidades implicam. Por outro lado, os critérios orientadores, susceptíveis de diferentes interpretações, como se tem visto, são dominantemente geográficos e demográficos, típicos de quem pretende redesenhar um novo mapa a partir de um gabinete, a compasso, régua e esquadro, segundo indicadores numéricos e quantitativos, mas longe do conhecimento das realidades locais. Se a extinção de freguesias não oferece qualquer vantagem notória, comporta, ao mesmo tempo, sérias desvantagens: passa por cima das raízes históricas e identitárias, afasta os centros decisores dos cidadãos que os sufragaram, limita fortemente a democracia de proximidade, elimina, reduz ou encarece serviços prestados à população, sobre-tudo a de menos recursos, promove a desertificação nos meios rurais, marginaliza a competência e a dedicação de inúmeros autarcas que dão um inestimável contributo para o bem-estar e qualidade de vida de pessoas e comunidades”.
Moção de direita aprovada
A única moção aprovada foi a apresentada pelo PSD e CDS-PP, francamente apoiantes do documento. Aprovada ponto a ponto, a moção passou com maioria.
O item que mais celeuma causou foi o ponto em que a coligação “sugeriu” o não impedimento de candidaturas de autarcas com 12 ou mais anos de mandato a novas autarquias locais que saírem desta reforma, justificando que se poderá aproveitar “um importante capital de experiência politica”. Ou seja, permitir que presidentes de junta, em final de mandato, possam concorrer por outra freguesia distinta. Os partidos da oposição levantaram a voz e acusaram a coligação PSD/CDS de tentar contornar a questão da limitação de mandatos.
Desta moção retira-se também a vontade de ver assinaladas no documento “mais autonomia e competências aos municípios e às freguesias, nomeadamente nas áreas de acção social e da educação, à luz dos princípios da descentralização e da subsidiaridade”.
Estranho o PS não ter apresentado qualquer documento para contrariar o Livro Verde. Nem um? O maior partido da oposição limitou-se a ‘andar ao sabor do vento’ dos restantes. E é ainda mais estranho porque o PS Gaia andou pelas freguesias do concelho com uma acção de esclarecimento sobre a reorganização das potenciais novas áreas administrativas.
Segundo o líder socialista, João Paulo Correia, “ainda não está qualquer mapa definido para Gaia”. Falta saber se ainda não existe porque os responsáveis dos vários partidos não se entendem quanto à fusão ou se nem sequer começaram as conversações.
Mais uma vez se perdeu uma óptima oportunidade para esclarecer dúvidas. Se os partidos com assento na assembleia não o fizeram da melhor forma, o público ainda fez pior. Apesar das cadeiras ocupadas, ninguém aproveitou o tempo de intervenção para questionar os deputados e/ou vereadores municipais. Não quiseram saber se vai realmente haver fusão e consecutiva redução de freguesias. De que forma se vai processar essa redução. Se as futuras juntas vão ter mais competências. Que nomes vão ser escolhidos para as novas freguesias. De que forma vão ser respeitadas e mantidas as tradições e características da comunidade. Se já está algum mapa pré-definido. Nada. Tanta pergunta poderia ter sido feita, tanta assistência para a fazer e, na prática, nenhuma pro-actividade!
Apenas um gaiense subiu ao púlpito. Ainda assim, com outro tema. Será que ninguém tem dúvidas do que vai acontecer? Ou, uma vez mais, os gaienses vão limitar-se a ‘esperar para ver’ o que vai acontecer no município?
Recorde-se que o Documento Verde da Reforma da Administração Local servirá para reorganizar a administração dos governos locais. O plano assenta numa das imposições da Troika, que no seu memorando referia a importância de diminuir o número de áreas administrativas portuguesas. Existem actualmente 308 municípios e 4259 freguesias. Em Julho de 2012, o Governo vai desenvolver um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número de tais entidades, implementando um plano com base em acordo com o pessoal da CE e do FMI. Estas mudanças, que entrarão em vigor no início do próximo ciclo eleitoral local, vão “melhorar o serviço, aumentar a eficiência e reduzir custos”. O objectivo é reduzir entre 50 a 60% o número de freguesias. No caso de Gaia isso implicará a redução de, pelo menos, 12 freguesias, num total de 24 que existem actualmente.